Em 1900 Manuel da Costa Lima (ou
Major Cecílio, título de honra recebido por ser Major da guarda nacional), saiu
de sua fazenda Ponte Nova para explorar sertão adentro rumo à fronteira com o
Estado de São Paulo. Não conseguindo atingir o objetivo, organizou
posteriormente uma segunda expedição partindo da mesma fazenda Ponte Nova no
dia 9 de maio de 1900.
Essa expedição atingiu as margens do
rio Paraná na barra do Rio Pardo, onde foi fundado o distrito de Porto XV de
Novembro. Em julho de 1904, o engenheiro agrimensor Emílio Rivasseau fazia o
levantamento e a medição da estrada recentemente aberta por Manuel da Costa
Lima. A estrada ligava o Arraial de Santo Antônio de Campo Grande ao Porto XV
de Novembro, com uma distância de 54 léguas e 5.103 metros, cujas medidas
constavam no Memorial descritivo assinado em agosto de 1904. Em seguida foi
essa estrada recebida oficialmente pelo governador do Estado de Mato Grosso,
através de seu representante, previamente designado, agrimensor José Paes de
Faria. O objetivo da obra era a ligação do comércio com o Estado de São Paulo.
Com essas providências, o sertanista Manuel da Costa Lima, já colocava o Porto
XV de Novembro ao alcance de qualquer cidadão mato-grossense.
Ao chegar no Porto XV de Novembro,
Manuel da Costa Lima se depara com um novo impasse: Como atravessar os 2 km de
rio? Não para as pessoas, que poderiam ser facilmente acomodadas em canoas e
batelões, mas sim a travessia do gado, das boiadas, vacadas, tropas de burros,
cavalos, entre outros. Sua capacidade, sua inteligência e suas forças eram
agora seriamente desafiadas por esse vital problema. Chegou à conclusão de que
teria que ser feita uma “balsa curral” grande, para transportar muitos animais
de uma só vez. Para rebocar a balsa curral, seria necessário uma lancha grande,
um vapor. Surge então outro impasse: Onde encontrá-los? Nesta época, não
existia nesta região esse tipo de navegação. Mas como o problema exigia
solução, Major Cecílio imediatamente seguiu para a cidade de Concepción, no
Paraguai, onde vira, de outra feita, vapores que seriam adequados ao serviço.
Compra do vapor
paraguaio “Carmelita”
No fim de 1904,
efetuava-se em Concepción do Paraguai, a compra do vapor denominado
“Carmelita”. Para essa compra, Major Cecílio levou uma boiada com 200 rezes,
que foram vendidas no Paraguai. Com o produto da venda do gado, pagou o barco e
mandou confeccionar, na mesma cidade, um carretão grande, ultra resistente,
além de quatro rodas, também super reforçadas com chapas de ferro. Em abril de
1905, o vapor Carmelita, depois de navegar pelo rio Paraguai acima, foi ancorar
no rio Aquidauana, na foz do ribeirão Taquaruçu. No período entre a compra do
vapor e a sua chegada à foz do ribeirão, Major Cecílio, volta à fazenda Ponte
Nova para preparar a grande comitiva que o transportaria por via terrestre.
Tomou emprestado alguns bois de
carro, no total de duzentos, e também carros de bois e carretas, que foram
convenientemente preparados para a viagem. Reuniu uns 20 peões carreiros.
Abasteceu a comitiva de víveres, ferramentas e de diversos utensílios que lhe
pudessem ser úteis naquela expedição. No dia aprazado, estava ele na barranca
do rio Aquidauana para iniciar a etapa mais difícil de seu maravilhoso projeto.
Tudo aquilo que ali estava no rio, barco a vapor e carretão, teria que ser
posto ao seco, na terra firme. Eram toneladas a serem arrastadas para fora
d’água. Não existia guindaste e nem sequer uma rampa apropriada. Dispunha
somente da força física dos bois e, acima de tudo, da engenhosidade, da
inteligência daquele sertanista intrépido. Retirado da embarcação, o carretão
foi desmontado quase que totalmente. Retirou-se o mastro, a caldeira, chaminé,
enfim, tudo o que dela fosse removível. Por fim, acomodados nos carros e nas
carretas. Depois de muito tempo de trabalho árduo, foi o casco do navio içado
do rio Aquidauana e colocado sobre o carretão. Começou então a caminhada rumo a
serra e depois sucessivamente, “serra a cima serra a baixo”. Caminhada penosa,
exigindo não só dedicação daqueles bravos trabalhadores, mas muito sacrifício.
Aquele casco de vapor em cima do carretão era presa fácil do terreno mole, dos
brejos e dos areais existentes na rústica estrada.
A viagem decorria lenta e morosa.
Quando aquele monstro de quatro rodas atolava no brejo ou na areia, havia que
ser levantado com todo aquele peso em cima. De uma forma ou de outra o serviço
era feito e, o foi por muitas e muitas vezes. Quando o pesado veículo era
levantado, colocava-se madeira branca por baixo do mesmo, que muitas vezes
também não resistia, atolando-se sob as toneladas de peso. Quando isso ocorria
à operação era repetida, tantas vezes quantas se tornassem necessárias. Difícil
era atravessar um brejo, onde a comitiva esteve cerca de 15 dias em um só
acampamento. Vários problemas surgiram. Toda arrumação do carro era feita de
correias torcidas; as tiradeiras, uma vez molhadas, com as constantes chuvas,
apodreciam e partiam-se sendo substituídas por material novo, feito na hora.
Nas subidas o freio era constituído de pedras ou pedaços de madeira resistente
colocados atrás das rodas do pesado veículo.
Para as descidas da
serra, córregos e nos baixados, o gênio criativo do bandeirante entrou em ação,
e o tipo de freio certo foi engenhado. Vinte e cinco juntas de 50 bois
alinhados, puxando para frente o carretão, e ligado no carretão na sua
traseira, por uma “fieira” de 6 juntas de 12 bois. Ligado, ou arrastado por
esta “fieira”, uma grande tora de madeira; esta e as 6 juntas de bois não
permitiam que o carretão disparasse nas descidas ou ladeiras. E quando
necessitasse parar o pesado veículo, bastava cercar pela frente a fieira de 6
juntas. Do ponto de partida, na margem esquerda do Rio Aquidauana, subindo e
descendo a serra de Maracaju até o arraial, ou vila de Campo Grande, mais de
sessenta dias foram gastos.